Vi gente chorando na rua,
quando o juiz apitou o final do jogo perdido; vi homens e mulheres
pisando com ódio os plásticos verde-amarelos que até minutos antes eram
sagrados; vi bêbados inconsoláveis que já não sabiam por que não achavam
consolo na bebida; vi rapazes e moças festejando a derrota para não
deixarem de festejar qualquer coisa, pois seus corações estavam
programados para a alegria; vi o técnico incansável e teimoso da Seleção
xingado de bandido e queimado vivo sob a aparência de um boneco,
enquanto o jogador que errara muitas vezes ao chutar em gol era
declarado o último dos traidores da pátria; vi a notícia do suicida do
Ceará e dos mortos do coração por motivo do fracasso esportivo; vi a dor
dissolvida em uísque escocês da classe média alta e o surdo clamor de
desespero dos pequeninos, pela mesma causa; vi o garotão mudar o gênero
das palavras, acusando a mina de pé-fria; vi a decepção controlada do
presidente, que se preparava, como torcedor número um do país, para
viver o seu grande momento de euforia pessoal e nacional, depois de
curtir tantas desilusões de governo; vi os candidatos do partido da
situação aturdidos por um malogro que lhes roubava um trunfo poderoso
para a campanha eleitoral; vi as oposições divididas, unificadas na
mesma perplexidade diante da catástrofe que levará talvez o povo a se
desencantar de tudo, inclusive das eleições; vi a aflição dos produtores
e vendedores de bandeirinhas, flâmuIas e símbolos diversos do esperado e
exigido título de campeões do mundo pela quarta vez, e já agora
destinados à ironia do lixo; vi a tristeza dos varredores da limpeza
pública e dos faxineiros de edifícios, removendo os destroços da
esperança; vi tanta coisa, senti tanta coisa nas almas…
Chego à conclusão de que a
derrota, para a qual nunca estamos preparados, de tanto não a desejarmos
nem a admitirmos previamente, é afinal instrumento de renovação da
vida. Tanto quanto a vitória estabelece o jogo dialético que constitui o
próprio modo de estar no mundo. Se uma sucessão de derrotas é
arrasadora, também a sucessão constante de vitórias traz consigo o germe
de apodrecimento das vontades, a languidez dos estados pós-voluptuosos,
que inutiliza o indivíduo e a comunidade atuantes. Perder implica
remoção de detritos: começar de novo.
Certamente, fizemos tudo para
ganhar esta caprichosa Copa do Mundo. Mas será suficiente fazer tudo, e
exigir da sorte um resultado infalível? Não é mais sensato atribuir ao
acaso, ao imponderável, até mesmo ao absurdo, um poder de transformação
das coisas, capaz de anular os cálculos mais científicos? Se a Seleção
fosse à Espanha, terra de castelos míticos, apenas para pegar o caneco e
trazê-lo na mala, como propriedade exclusiva e inalienável do Brasil,
que mérito haveria nisso? Na realidade, nós fomos lá pelo gosto do
incerto, do difícil, da fantasia e do risco, e não para recolher um
objeto roubado. A verdade é que não voltamos de mãos vazias porque não
trouxemos a taça. Trouxemos alguma coisa boa e palpável, conquista do
espírito de competição. Suplantamos quatro seleções igualmente
ambiciosas e perdemos para a quinta. A Itália não tinha obrigação de
perder para o nosso gênio futebolístico. Em peleja de igual para igual, a
sorte não nos contemplou. Paciência, não vamos transformar em desastre
nacional o que foi apenas uma experiência, como tantas outras, da
volubilidade das coisas.
Perdendo, após o emocionalismo
das lágrimas, readquirimos ou adquirimos, na maioria das cabeças, o
senso da moderação, do real contraditório, mas rico de possibilidades, a
verdadeira dimensão da vida. Não somos invencíveis. Também não somos
uns pobres diabos que jamais atingirão a grandeza, este valor tão
relativo, com tendência a evaporar-se. Eu gostaria de passar a mão na
cabeça de Telê Santana e de seus jogadores, reservas e reservas de
reservas, como Roberto Dinamite, o viajante não utilizado, e dizer-lhes,
com esse gesto, o que em palavras seria enfático e meio bobo. Mas o
gesto vale por tudo, e bem o compreendemos em sua doçura solidária. Ora,
o Telê! Ora, os atletas! Ora, a sorte! A Copa do Mundo de 82 acabou
para nós, mas o mundo não acabou. Nem o Brasil, com suas dores e bens. E
há um lindo sol lá fora, o sol de nós todos.
E agora, amigos torcedores, que tal a gente começar a trabalhar, que o ano já está na segunda metade?
Por Carlos Drummond de Andrade
Por Carlos Drummond de Andrade